Mãe e doula faz relato emocionante sobre sua experiência com a amamentação e doação de leite humano

Estamos na Semana Mato Grosso de Doação de Leite Humano 2022 e eu vou compartilhar aqui com vocês o que rolou na abertura dos trabalhos, que tive a sorte de presenciar e ouvir falas tão importantes, principalmente de mães, como a Thattiany Carvalho Leite, mãe de três crianças e doula, que representou a Associação de Doulas de Mato Grosso (Adomato). Com certeza, a participação dela foi a mais emocionante do evento pois, além de falar sobre a cooperação de doulas no incentivo à doação de leite humano, trouxe um relato pessoal que serve de exemplo para que profissionais da saúde estejam conscientes e atentos sobre o quanto pode ser impactante (para o bem ou para o mal) uma frase que eles dizem a uma mãe, principalmente no puerpério.

Thattiany e os três filhos

Thatti me deu autorização para compartilhar aqui no blog o relato dela. Tenho certeza de que pode ajudar muitas mães e causar reflexão em profissionais de saúde que prestam assistência a mães lactantes. Fiquem agora com o relato:

Fui convidada para falar sobre a cooperação das doulas no incentivo à doação de leite humano. E para falar sobre as doulas e sobre a doação de leite humano, preciso falar primeiro da minha história.

Em 2014, eu entrava nesse novo mundo, desconhecido e paralelo: a maternidade. Uma mulher forte, guerreira, determinada e que movia o mundo para atingir seus sonhos e objetivos. Afinal, batalhei três anos para conseguir engravidar e, finalmente, o dia de pegar o MEU FILHO no colo e nutrir ele com O MEU LEITE tinha chegado. Mas não foi bem assim, simples e um mar de rosas.

Ele nasceu com baixo peso, com a hipoglicemia beirando ao mínimo aceitável… Quando tive de ouvir na primeira hora de vida dele o primeiro “soco” do sistema. E não se enganem, foram vários.

Eu já tinha lido sobre o leite materno ser melhor para absorção da glicemia, então falei com uma amiga nutricionista, que me confirmou essa informação. Só ressaltou que talvez ele devesse mamar mais vezes, não em livre demanda.

Eu ouvi:

“Essas mães querem amamentar ‘a qualquer custo’, são muito bitoladas. Você vai MATAR seu filho por um capricho”

Quero informar que esse relato só contém verdades, portanto, meu coração pode transbordar e assim eu vir a chorar. Se acontecer, me desculpem.

Aquelas palavras ecoavam dia e noite nos primeiros dias do puerpério. Poderia eu, mãe que lutei praticamente sozinha, desejar o pior ao meu filho por querer que ele fosse nutrido pelo líquido mais precioso?

Foi hospital, enfermeiras, médicos, muitos profissionais… Hoje sei, desatualizados, mas bateu de frente para o que eu não tinha me preparado: A FRAGILIDADE DO PUERPÉRIO. A experiência única entre estar cheia de amor e a culpa, cobranças e exigências que chegam junto com um bebê. 

No sexto dia foi definitivo, meu bebê não mamava, ele chorava e o que eu mais temia estava acontecendo. Era de fome!!! Passei a madrugada pensando em como ajudá-lo e lembrei de ter ouvido que um dos hospitais da cidade fornecia leite aos bebês cujas mães não conseguiam amamentar. Me fiz decidida, pesquisei e vi, às 7h abre… Às 7h, DE UMA SEGUNDA-FEIRA estava lá, eu, na porta. Entrei, supliquei, chorei, que pudessem me informar como eu poderia conseguir leite para o meu menino, ele estava com fome. E como um anjo, uma das enfermeiras do banco de leite, fez o que nenhum profissional havia feito naqueles 6 dias. Pediu para que eu sentasse e falasse o que estava acontecendo. Ela ME OUVIU e depois eu descobri que elas fazem isso com TODAS as mulheres, que ali entravam.

Ouviu e constatou: meu bebê estava sim com fome, mas não por falta de leite…Mas por excesso. Pobrezinho do menino. Não conseguia abocanhar a mama ingurgitada. Ingurgitada? Que palavra era aquela… Tinham me falado de hipoglicemia, desnutrição, que não havia leite, de FOME e até de MORTE… Mas ali eu aprendi palavras novas: ingurgitamento, pega correta, posição para amamentar, massagem, ordenha, acreditar, perfeição, líquido valioso… VIDA.

Ela me mostrou o que, ao meu ver, pela desmotivação, era falta de leite, virou 200 ml de leite materno, produzidos e ordenhados do MEU PRÓPRIO corpo. Foram 3h, isso mesmo… Eu fiquei 3h em companhia daquela profissional, que se dedicou para ME OUVIR, SABER OS MEUS MEDOS, informar, “salvar” uma mãe e um bebê…

E poderia não dar em nada, dali eu poderia dar mamadeira e chupetas quando estivesse muito cansada em casa… Mas ela foi delicada, decidida, atualizada e me explicou o que me ajudaria e o que dificultaria meu processo… Ela falou que eu poderia não só alimentar o meu bebê, como outros que estavam na UTI, onde por vários motivos diversos as mães realmente não conseguiam amamentar e, assim, saí de lá com alguns vidrinhos… Na primeira semana, eu ia todos os dias ao banco de leite falar com aquela profissional… Ali o amamentar era leve, fluía, tudo acontecia como tinha de ser… Até que na sexta-feira ela me disse: Thatty, você consegue, confie em você… Confie no seu corpo… NÃO QUERO TE VER AQUI NA PRÓXIMA SEMANA… e assim eu conheci na prática o poder da palavra empoderamento. Amamentei exclusivamente e doei leite até o sexto mês.

“Acolher, informar, acreditar, servir”

Essas são algumas das funções da doula quando atende uma mãe, uma nova família.

E as mulheres que se tornam doulas, em sua maioria, conhecem e seguem essa profissão, através de um ativismo por experiências que algumas vezes podem ser comparadas a da minha história, de parto, amamentação e doação bem sucedidas através de uma batalha, invisível aos olhos da nossa sociedade ou, como na maioria dos casos, histórias de mulheres que foram engolidas pelo sistema e fazem de tudo para que outras mulheres tenham o direito de viver experiências diferentes das que elas tiveram.

O que os dois perfis de doulas têm em comum é a clareza de que apenas a informação baseada em evidências científicas atualizadas pode modificar o que vivemos hoje em nossa sociedade.

O papel da doula, nesse sistema que existe hoje, é cada vez mais fundamental e não seria diferente na cooperação para incentivo de doação de leite humano. Nós temos o vínculo com a gestante, oferecemos tempo de qualidade, ouvimos seus MEDOS e as suas vontades, observamos a necessidade individual de cada mãe e bebê que acompanhamos. Auxiliamos no fortalecimento do vínculo. Percebemos as fragilidades que aquela mãe está ou possa vir a viver e tentamos antecipar com informações, atualizadas, quais profissionais procurar ou como solucionar cada dificuldade.

Assim, elas vão parindo, amamentando, resgatando o seu empoderamento e percebendo que através do seu corpo podem também auxiliar outros bebês e mães e digo mais, falamos isso de forma simples… Todo início de uma vida gera inseguranças, desafios que muitas vezes achamos que não vamos dar conta… Mal conseguimos escovar os dentes ou levantar de uma cama em um dia completo, quem dera doar leite. Na imaginação e rotina das puérperas, é algo impossível.

Mostramos como é simples e prático e como essa doação também pode auxiliar principalmente em duas demandas que mais exigem delas no início. Primeiro, massagem e ordenhas infinitas para que não tenham mastite no início da amamentação. Fazer isso com um propósito cheio de virtudes trás outro sentido. Saber que vai auxiliar outras famílias faz com que elas se sintam mais úteis e necessárias nessa nova rotina que muitas vezes é tão desvalorizada pela nossa sociedade. O segundo ponto é a volta ao trabalho, fazendo massagens e ordenhas desde o início fica muito mais fácil de voltar ao trabalho com 4, 6 meses e continuar a amamentação e não ter de iniciar uma rotina de ordenhas para nutrir seu bebê apenas quando essa data chegar. O corpo já estará acostumado e será um processo mais leve, diante de uma realidade já tão desafiadora, que é deixar os filhos com outros cuidadores.

E um grande ponto é que como temos esse vínculo, essa ponte entre as que tiveram bebê e as que ainda estão gestando, podemos divulgar e mesmo que seja um trabalho de formiguinha, as que atingimos acreditam que SIM, é possível…  E essas percebem que SIM, seus corpos também podem fazer mais do que muitos acreditam.

E isso que eu quero mostrar agora… Como uma vai incentivando as outras.

Fico por aqui. Feliz nesse dia pela oportunidade de poder falar com pessoas que podem e querem se juntar às formiguinhas. De pouco em pouco, podemos criar nosso formigueiro. De gotinha em gotinha, podemos nutrir mais uma criança.

Obrigada a todos, da mãe e da DOULA que amamentou exclusivamente seus três filhos e que teve o poder de servir com as doações outras mães e seus bebês por três vezes.

Gratidão.